Cheguei, São Paulo!


“Ah! Você mora no coração da cidade…”

Foi assim que Davi, motorista do Uber, classificou a região em que moro atualmente em São Paulo. Depois de conversarmos por longos minutos sobre as diferenças entre as regiões sudeste e nordeste, ele soltou essa e me deixou pensando nas diferenças que senti ao chegar aqui, e que sinto até hoje. Já ouvi outras pessoas dizerem que “quem não é de São Paulo é que faz questão de morar na região central”, por exemplo. Será que o dito “coração da cidade” hoje em dia é basicamente feito com pessoas “forasteiras”? Fica a dúvida. Não tenho esse dado do IBGE.

Quando pensei em vir morar na capital paulista, eu não tinha a menor ideia de que em 6 anos tanta coisa aconteceria. Lembro de ter vindo para a cidade durante minhas férias em 2012 e pensado “quero morar aqui”. São Paulo tem ferveção, gente toda hora, estabelecimentos abertos 24h (ou quase isso), festas incríveis, opções culturais, livrarias lindas (estão acabando, mas ainda tem), restaurantes perfeitos, diversidade, metrô, trem, patinetes e bicicletas na rua, ciclofaixas, milhões de possibilidades para atividades esportivas e de bem-estar, oportunidades de trabalho… e trabalho, trabalho, trabalho, trabalho, trabalho… Alguém consegue viver nessa cidade sem ser engolido pelo fator trabalho? Fica aqui a segunda dúvida. Vamos continuando …

Um ano depois, cheguei no Aeroporto de Guarulhos com apenas duas malas, uma bolsa de mão e uma mochila. Minha vida inteira estava ali. Sem contar os sonhos, que eram – e ainda são – muitos. Fui direto para o lugar onde morei por 9 meses: um casarão na Bela Vista, bem estilo república/pensão, com aproximadamente 60 moradores, todos homens. Era uma zona! Mas das boas, com muita gente conversando, vários estilos, diferentes realidades econômicas e sociais, etc. Fiz alguns amigos na casa, e posso dizer que foi uma experiência muito enriquecedora. Apesar de todos os dias eu pensar no quanto eu queria um espaço só para mim. São Paulo é assim, queridos: quem quer espaço, tem que colocar a mãozinha no bolso e não chorar.

Morar naquela região me fez ir ao teatro com certa frequência, andar pela Avenida Paulista sem rumo (mas de olho nas paqueras, claro!), conhecer as deliciosas cantinas e restaurantes da região do Bixiga, andar muito e me sentir no miolo da cultura e da efervescência paulistana. Nessa mesma época comecei a trabalhar e, com um pouquinho mais de dinheiro, passei a aproveitar outros espaços da cidade, como os restaurantes e bares na região do Jardins, Moema e por aí vai. Bem fino. Já me sentia super privilegiado por estar morando na Bela Vista, mas nem pisquei o olho quando recebi o convite de um amigo para ir morar em um apartamento no bairro do Ipiranga. Era mais longe do centro e do meu trabalho, mas o importante era que tinha mais espaço e privacidade. Adeus 60 homens!!!

No apartamento no Ipiranga moravam 5 pessoas no total, e eu dividia o quarto com o Fran, meu amigo que também morava no casarão. Foi um maravilhoso avanço! Mas apesar do upgrade, adoro lembrar do fato de que passamos mais de um ano naquele apartamento falando que íamos comprar as camas e nunca compramos. Foi esse tempo todo dormindo em dois colchões no chão. Era divertido. Mas não mais que o quarto de um outro colega que ostentava uma belíssima coleção de Barbies. Da sala ficávamos olhando para a janela do quarto e vendo aquelas bonecas bem conservadas e caras. Parecia um altar, e não podíamos entrar lá. Quando meus amigos me visitavam em casa, eu fazia questão de mostrá-las, pela janela, claro. Era uma das atrações da casa. Ficamos lá por um ano e dois meses, até que o apartamento teve que ser entregue e cada um foi para um lado. Tive pouco mais de um mês para decidir o que fazer. Fran, com quem eu já morava há praticamente dois anos, decidiu voltar para a casa da família em Mauá, outro amigo voltou para São Sebastião, e com os outros eu não queria morar. Risos. Entrei em um grupo do Facebook, vi o anúncio de um casal e mandei mensagem. Eles faziam uma espécie de entrevista com os interessados para poder selecionar a pessoa que iria morar com eles, em um quarto individual (YES!). Fui lá, mostrei minha simpatia e nos demos bem. Do Ipiranga, mudei para a prestigiadíssima Rua Augusta.

Morar na Augusta é o ponto alto do “vivo no fervo da cidade”, e eu amei a época que tive naquela região. Voltar para a parte central da cidade foi um novo suspiro de empolgação e o fato de sempre ver gente na rua me dava uma sensação (acho que falsa, ok?) de segurança. O Ipiranga é ótimo, mas as ruas ficam desertas logo após às 21h. Na Augusta eu podia chegar em casa durante a madrugada e sempre via pessoas circulando. É disso que eu gosto! Perto do metrô, 30 minutos de distância do trabalho, supermercado perto, hospital também, várias opções de restaurantes, dava para ir às baladas andando e na volta tinha o moço do hot-dog bem na esquina de casa. Sem contar os companheiros de casa que foram muito receptivos e me fizeram se sentir realmente em casa. Foi uma fase incrível: eu tinha sido promovido no trabalho, o ano foi tranquilo e tivemos muitas festas. Eu realmente lembro de ter sido um período muito feliz, apesar de uma desilusão amorosa tosca.

Daí chegou 2016, fui promovido novamente no trabalho e com isso vieram outras responsabilidades. Comecei a trabalhar viajando pelo país, então São Paulo virou o meu “ufa! Voltei para casa”. Eu amo viajar, mas fazer viagens à trabalho é outra pegada. Vou falar melhor sobre isso em outro texto. Para se ter uma melhor noção, algumas vezes eu até chorei quando ia chegando no avião e via São Paulo de cima, toda iluminada. Minha casa, meu lar, o lugar que escolhi. Até hoje carrego esse sentimento quando estou no avião e vejo a cidade do alto.

Por algum motivo, em São Paulo eu tive e tenho a sensação de que se trabalha tendo um plano de carreira, oportunidades de crescimento, desafios novos. Isso é ótimo, comparado a outras regiões ou cidades onde as pessoas não visualizam algo assim. A cidade – pelo menos em algumas regiões como Vila Olímpia, Morumbi, Centro, etc. – respira isso e passa esse sentimento para os que vão chegando aqui também. “São Paulo é para trabalhar, fazer carreira, ganhar dinheiro e depois ir embora. Não dá para viver aqui muitos anos” – foi o que ouvi uma vez, também de um motorista. Eu não sei se concordo porque conheço muita gente que nasceu, cresceu e vive aqui há muito tempo. Talvez isso afete mais as pessoas que não nasceram aqui. E confesso que comecei a sentir esse peso, mesmo que levemente, no ano de 2016. A loucura do corre-corre, o trabalho frenético, o caos do trânsito (já que eu visitava muitos clientes fora do escritório), as formalidades do mundo corporativo, as aspirações do mundo corporativo… Tudo isso vira um turbilhão dentro de você em algum momento. E às vezes você não consegue sair do meio disso. Tive minha primeira crise de ansiedade e fui parar no hospital achando que estava infartando. Melhorei, comecei terapia, busquei formas de me conhecer melhor e, claro, de diminuir o estresse de viver numa cidade que não para. Literalmente, não para. Quer kebab às 3 horas da manhã? Tem. Quer um bar? Tem também. Quer academia? Opa! Várias estarão abertas esperando os clientes do corujão. Essa sim é uma cidade que não se apaga nunca, com exceção do que os paulistanos chamam de “aqui tem mais cara de bairro, né?”. Inclusive, aqui em São Paulo foi onde ouvi pela primeira vez essa história de que alguns lugares “não têm cara de bairro”. Meio confuso, mas vivendo aqui você entende rapidinho. É uma espécie de classificar como bairro apenas aqueles lugares que seguem um padrão de ter mais moradias que comércios, e seguirem uma rotina de horário do sono depois das 22h, com comércios fechados e sem muita movimentação pelas ruas.

Dentro ainda da confusão que foi o ano de 2016, o casal teve uma briga homérica durante o carnaval e eu resolvi mudar de apartamento. Havia chegado a hora de ir para um lugar sozinho. E fui. E me endividei, claro. Dramas da vida moderna de um louco que resolve fazer uma grande mudança no meio de um ano super estressante.

Mudei para a Vila Mariana, que tem uma parte com “mais cara de bairro” e fui montando meu apartamento com ajuda dos amigos. Ao mesmo tempo que foi libertador, contraí dívidas que antes não existiam. Juntei estresse com falta de dinheiro, mas pelo menos eu estava morando sozinho. E no meio disso tudo, muitas viagens. Conheci Amazonas e Pará, fui diversas vezes para o Nordeste, e quando parava em São Paulo, a correria só se intensificava mais.

Morar na Vila Mariana, apesar da loucura da época, me fez continuar na região central da cidade e ter acesso à supermercados, amigos restaurantes e bares de forma mais tranquila. Depois de um tempo na terapia, consegui melhorar meu jeito de ver as coisas, desacelerar um pouco, e até engatei um relacionamento no ano seguinte. Decidi passar as férias em Amsterdã e curtir o final daquele ano péssimo junto com amigos, bem longe de São Paulo. Não poderia ter sido melhor! Aproveitamos muito, nos divertimos, passamos frio, extravasamos e jogamos fora toda a energia ruim. Lavei a alma. Viajar tem esse poder, não é?

De 2017 até hoje, descobri que dá para viver São Paulo de uma forma menos intensa. Às vezes parece impossível, mas não é. Depende muito do estilo de vida que decidimos ter. Entretanto, não vou tirar da cidade o peso do trânsito, por exemplo. É infernal sim, não vou mentir. Trem e metrô são cheios, mas confesso que quando vou para Natal, por exemplo, morro de saudades de ter outros meios de transporte que não sejam carro ou ônibus. O importante mesmo é que São Paulo parece aquele vício gostoso: sabemos que pode fazer mal, mas não conseguimos largar. Essa cidade me conquistou, mesmo com tudo que considero ou passei a considerar ruim a respeito de morar em uma megalópole. Aqui cresci como profissional e pessoa, me senti mais dono de mim, assumi minha vida e personalidade do jeito que ela é, aprendi a me cuidar sozinho, comecei a estudar italiano e espanhol, fiz amigos, conquistei afeto, promoções no trabalho, independência, segurança (emocional, principalmente), oportunidades e muito mais. Mas se você leu até aqui, vou te responder uma das perguntas que ronda o imaginário de quem pensa sobre essa cidade incrível. Pronto para a resposta?

São Paulo tem amor sim! E não é pouco. Aqui não tem essa história de que as pessoas são frias, que não gostam de se relacionar, que se preocupam só com o próprio umbigo porque o capitalismo sugou a humanidade delas. Aqui tem gente, pessoas que gostam de se conectar como qualquer outra no mundo. Uma mais, outras menos, é óbvio. Mas foram essas pessoas, inclusive, que me fizeram amar esse lugar. E se você vem de peito aberto, a cidade te abraça bem gostoso e te faz sentir em casa.
Então chega junto, mano, que São Paulo é nossa, meu!

One thought on “Cheguei, São Paulo!

  1. ADOREI!! ❤️❤️❤️
    São Paulo é para poucos, mas você é um aventureiro. Tirou de letra! 😬✌🏻

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