– Cláudio, você já conhece Salvador?
– Não. Sempre quis ir, mas ainda não fui.
– Ótimo! Então vá para casa agora e arrume sua mala, que hoje à noite você vem para cá.
Esse telefonema, em fevereiro de 2010, foi o pontapé do meu relacionamento com a capital baiana. Eu pensei que a primeira vez seria durante as férias, mas a vida me levou para lá à trabalho mesmo.
Tudo começou há um tempo atrás, nos anos 90, quando o Axé Music estourou no Brasil e eu, bem pequenininho, me apaixonei pelo som de Salvador e aprendi as coreografias do É o Tchan com a minha irmã. Passei a infância inteira querendo ir à Bahia, mas não foi possível. Na adolescência, fui chamado para acompanhar minha avó em uma viagem à Bahia para visitar meu tio, mas como minhas notas da escola ainda não tinham sido fechadas no final de ano – e a minha média em Matemática não era a melhor do Brasil – acabei não indo. No final das contas, eu tinha sido aprovado. Argh! Perdi a chance.
Mais de dez anos depois, quando minha gerente falou da viagem, nem cogitei refutar. A ideia era fazer um treinamento de uma semana, e mesmo sem conhecer ninguém na cidade, fui cheio de expectativas boas. Com 20 anos de idade, a minha viagem mais longa até aquele momento tinha sido de Natal para Martins, no interior do Rio Grande do Norte. Então nem pisquei o olho quando ela acabou de falar. Peguei minhas coisas, avisei para a outra colega de trabalho e corri para casa. Minha mãe, coitada, nem teve tempo de digerir a informação também, porque eu cheguei em casa, organizei tudo e fui para o aeroporto. Só ouvi alguma coisa do tipo “Cuidado com a vida!”.
Agora imagine: viagem surpresa, lugar desconhecido, sem amigos no lugar, primeira viagem à trabalho, primeira vez em um avião, e eu tinha começado a namorar dois dias antes do convite … Fiquei extremamente ansioso, e claro, me enchendo de inseguranças. Mas parei de fricote e me agarrei na vozinha dentro de mim que dizia: “Vai logo para a terra da quebrança, besta! Vai ser tudo!” Entrei no avião com o coração quase saindo pela boca, e depois de uma hora e meia, desembarquei no Aeroporto Luís Eduardo Magalhães.
Salve, Salvador! Logo que saí do avião, senti que a energia daquele lugar era diferente. Passar por aquela entrada com o bambuzal formando um lindo túnel natural, é um ótimo início. Até hoje acho que é a entrada de aeroporto mais bonita do Brasil. Mas foi só entrar no ónibus que me levaria para a Pituba que essa hipnose passou. Ônibus é triste no país todo, gente. Não tem jeito. Então ao invés de pensar nisso, foquei no caminho até o hotel. Prestei tanta atenção, que me perdi. Desci no lugar errado e tive que andar por mais de meia hora.
Bem-vindo à Salvador, coração do Brasil!
Cheguei na avenida Paulo VI pingando de suor, mas vivo. Só me restava dormir. Com ar condicionado, claro. Se essa opção não existisse, eu nem estaria aqui contando essa experiência. No outro dia acordei bem cedo e fui para o escritório. Todo mundo me recebeu com sorriso no rosto, e a recepcionista prontamente anunciou que durante a semana iríamos fazer um tour pela cidade para que eu conhecesse as coisas mais legais. Foi com Sara que conheci a região do Pelourinho, o Elevador Lacerda, e o famoso Bar Cruz do Pascoal. Comemos um purê de aipim com carne de sol que eu nunca mais esqueci! Enquanto comíamos essa delícia, apreciávamos a Baía de Todos os Santos pela varanda do bar, que tem uma vista incrível. Passeio simples, tradicional, perfeito. Nem preciso dizer que somos amigos até hoje, não é?
Lembro que minha primeira impressão de Salvador foi de que a cidade era muito grande. Como sou de Natal, vi aquelas avenidas largas, o trânsito intenso, dezenas de prédios altíssimos, e isso tudo me deixou curioso. Como todo bom matuto, por exemplo, fui visitar um dos shoppings e me perdi pelos corredores. Era grande demais para mim! Pelo menos me deparei com a Livraria Cultura, que foi uma excelente descoberta.
Nos outros dias dentro do escritório, tive aulas de baianês e de cultura popular baiana. Você pode até pensar que eu fui conhecer a história da cidade, os elementos da cultura afro e tudo mais, mas eu fiquei mesmo foi aprendendo os hits da swingueira, as gírias locais, conhecendo os artistas que o Brasil conheceria meses depois, etc. Parece fácil, mas foi barril dobrado absorver tanta informação.
Uma coisa que percebi foi como os baianos têm orgulho de ser daquele lugar e das coisas que produzem. Eles são muito bairristas, em um ótimo sentido. Comida baiana? Perfeita. Música feita na Bahia? Incrível. Cultura africana no Brasil? É o berço. Povo mais feliz do país? Está na Bahia. Cerveja mais gelada para passar o calor? Claro que é na Bahia! E eles conseguem dizer tudo isso sem que fiquem com ar de metidos, vaidosos ou pretensiosos. Como pode, meu Deus?
Meu rei? Não ouvi nenhuma vez. Continuo sem saber de onde saiu isso e porque até hoje usam quando precisam representar um baiano. Em Salvador eu até tentei ouvir, mas sem sucesso. Mas “véi”, “oh, meu filho, venha cá”, “um xêro”, “massa”, “viu?”, “desgraça!!!”, “ir num reggae” e “ó paí” eu perdi as contas do quanto escutei. A que nunca mais vou esquecer: “Vire naquela esquina e vá reto até o fim de sua vida”. Amei! E “oxente” faz parte do vocabulário diário também. Mas detalhe: eles não falam “oxente” com o sotaque que a dona Rede Globo coloca nas novelas, ok?
Fiquei sete dias inserido nesse novo mundo, que foi amor à primeira vista. Quanto mais eu falava que estava gostando, mais coisas me indicavam para fazer na cidade e no estado. Ficou bem claro que eu teria que voltar à Bahia, e que as pessoas estariam lá me esperando para me apresentar as boas coisas da terrinha. Eu prometi voltar durante as férias. A chefe queria que eu ficasse mais dois dias, mas como eu estava com saudades do novo namorado, pedi para ir embora antes. Resultado? Voltei, e um mês depois o namoro acabou. Eu sei, eu sei. Agora você grita: BURRO!!!! Eu também não me perdoei até hoje.
Mas tudo bem. Um amor muito maior havia começado em fevereiro. Foi amor diferente, ardente como um vulcão. O negócio foi tão intenso, que pouco tempo depois comprei novas passagens para o feriado de 15 de novembro. Na primeira visita faltou conhecer o Farol da Barra, Jardim de Alah, Rio Vermelho, Porto da Barra, Igreja do Senhor do Bonfim, Sorveteria da Ribeira…
Tive que voltar outras seis ou sete vezes para ver tudo direitinho. E o amor só aumentou.
“Nunca irei te deixar, meu amor …” – leia em ritmo de Baianidade Nagô.