Nova Iorque: o choro é livre.

Sentado na escadaria em frente à Biblioteca Nacional de Nova Iorque, observei o movimento das pessoas na Quinta Avenida enquanto refletia sobre a experiência que acabara de ter na última semana. Estar fora do país a trabalho sempre foi um sonho para mim, e lembro que o meu avô esperava que o mesmo acontecesse, já que me criou com a ideia de que gostaria de me ver voando com as minhas próprias asas. Pensando em toda a influência dele na minha vida, e no que alcancei naquela viagem, coloquei meus óculos escuros e me deixei ser atingido pelas emoções, que me golpearam forte e saltaram pelos meus olhos em lágrimas incontroláveis. Logo eu, que quase nunca choro.

Lembro de ter começado minhas primeiras lições de inglês por volta dos 7 anos, com meu avô sentado à mesa para me ensinar algumas palavras, repetir frases e escutar seus mini vinis britânicos. Como meus pais se separaram quando eu tinha menos de dois anos, fui criado na casa dos meus avós maternos, junto com tios, minha mãe e irmã do meio. Meu avô acabou assumindo a função paternal de tentar me guiar pela vida, e com isso construímos algumas metas, incluindo a missão de aprender outras línguas. Era o início de uma jornada, e eu nem sabia. Atualmente gosto de pensar que alguns objetivos de vida nós traçamos sozinhos, e outros são traçados com diferentes pessoas. Se você também parar e pensar um pouco, notará que algumas das suas grandes metas foram definidas junto com seus pais, amigos, cônjuge, etc. Parte do que eu chamo de “plano de vida” foi desenhado junto com o meu avô e segundo ele, isso me abriria muitas portas mundo afora.

Na adolescência ouvi coisas como “estuda o inglês porque vai ser a porta para você ter um trabalho melhor e, se quiser, trabalhar fora do país”. Por já ter um filho morando na França, e perceber que eu tinha um certo interesse em repetir esse feito, Vô entendeu que esse seria o investimento dele na minha vida. Eu amei essa ideia! Mas junto com isso, vieram as metas: fazer uma viagem internacional sabendo me comunicar minimamente com as pessoas ao meu redor, conseguir independência financeira com meu trabalho e por fim, viajar para fora do país a trabalho. Meu amado Vô me viu alcançar as duas primeiras enquanto ainda estava vivo. Na última, ele não estava mais aqui.

Em março de 2018, um ano após a sua morte, fui selecionado para fazer parte do Comitê Global de Diversidade e Inclusão na empresa que trabalho, e esse foi primeiro passo para a minha experiência internacional. Bem na nossa primeira conferência online, veio a notícia: iríamos nos reunir pessoalmente em junho, na cidade de Nova Iorque. Meu coração quase explodiu! O plano tinha dado certo e agora era o momento que previmos anos antes. Sabíamos que ele não estaria comigo no dia, mas não imaginamos que seria como foi. A vida dá umas dessas às vezes.

Depois do anúncio, veio a correria para preparar tudo. Providenciei o visto e entrei em contato com os meus amigos que moram em Nova Jérsei. Eles toparam me receber na casa deles, e além disso, um outro amigo se ofereceu para ir me buscar no aeroporto – o que foi uma salvação, porque eu estava indo muito sem grana. Quem tem amigos, tem tudo!

Visto aprovado, estadia do final de semana garantida, passagens emitidas, hotel reservado para os dias da conferência, tudo pronto. Saí do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, na sexta-feira à noite e assim que entrei no voo da American Airlines, aquele aperto no coração. Um aperto bom, sabe? O sentimento que temos quando realizamos que nos esforçamos para alcançar, e que vem junto com aquele medinho de falhar. Mas uma outra sensação estranha vinha junto: queria ligar para o meu avô compartilhando esse momento, e não podia. Entrei no avião, sentei-me, enviei algumas mensagens, e logo me peguei pensando no quanto eu queria estar enviando uma mensagem para ele também. Então vivi esse sentimento e comecei a imaginar como teria sido dar essa notícia a ele. “Vô, eu estou indo trabalhar uma semana nos Estados Unidos. Tem noção?”. Ele falaria pelas próximas duas horas, voltando ao dia em que cheguei na casa deles, até quando fui embora para São Paulo e começado a andar sozinho pela vida. Não teve jeito, encostei minha cabeça no assento do avião, tentei ser discreto e chorei assim que decolamos rumo à realização desse sonho.

Após quase dez horas de voo, cheguei ao Aeroporto John F. Kennedy. O clima estava ótimo, nem quente nem frio, e depois de uma passagem tranquila pela imigração norte-americana, saí do aeroporto e encontrei meu amigo Johnny, que já me esperava com seu namorado. Eram sete horas da manhã. Agradeci novamente pelas amizades que tenho nesse mundão!

Resolvemos passar primeiro por Nova Iorque antes de irmos para Nova Jérsei. Me dei conta do quanto essa ideia tinha sido excelente quando alcançamos uma ponte e vi Manhattan. Agora eu estava ali, ao vivo. Nada de ver aquilo pelas telas de cinema, televisão ou celular. Os prédios altos, toda aquela água em volta, e o dia bem ensolarado. Que cena! Meu amigo me apontou a Trump Tower, e em seguida o Central Park. Tive uma espécie de deja vu e percebi que andar por Nova Iorque significa ter essa sensação constantemente, pois estamos muito acostumados a ver essa cidade em filmes, séries, comerciais de TV, tudo. Nova Iorque é familiar aos nossos olhos. Até o caminhão dos bombeiros eu olhei e pensei “nossa, já vi em algum lugar”. Claro que sim!

Cheguei em Nova Jérsei por volta das dez horas da manhã, e lá foi como estar em casa, acolhido pelos meus amigos e o filho de 4 anos. No sábado nos dedicamos aos prazeres gastronômicos (hamburguer feito em casa, torta de maçã, pretzel dog e corn dog, por exemplo) e às compras no outlet. No domingo, peguei um Uber e fui para Nova Iorque.

Em meio às buzinas, sirenes, luzes, pessoas, carros e andaimes, fui à Broadway assistir ao musical Aladdin. Apesar do Teatro Amsterdam ser minúsculo, o espetáculo foi grandioso, com efeitos de cair o queixo (ficava me perguntando: “de onde saiu isso?”), vocais incríveis e gostinho de infância – para quem nasceu nos anos 80/90. Por falar nisso, chorei (de novo?) como criança quando me dei conta de que estava vivendo tudo aquilo. Era inimaginável que isso aconteceria, mesmo com os planos que foram traçados por tanto tempo. E o fato de ter se tornado realidade, assumo, me despertava um certo medo de não dar conta e estragar tudo. No dia seguinte eu saberia, porque iniciaríamos o trabalho, e seria a hora de colocar tudo à prova.

Para relaxar e aproveitar um pouco, andei pela cidade até chegar à Times Square, onde o êxtase foi imediato. É tanta luz e gente, que você nem sabe para onde olha. No Nordeste usamos o termo “se abestalhar”, e foi isso que aconteceu; me abestalhei com a dimensão daquele espaço. Fiquei longos minutos só olhando para cada telão, observando as pessoas, ouvindo os idiomas ali presentes, e entendi porque Vô falava que portas se abririam por causa do inglês. Era um ponto em comum entre todos, ou maioria, naquele lugar.

Na segunda-feira, a farra havia acabado, mas o sonho entrava na parte mais importante. Conhecer o escritório da empresa, fazer apresentações em inglês, conversar com pessoas, ouvir sotaques diferentes, discutir temas importantes sobre Diversidade e Inclusão, gravar vídeos, fazer amigos e anotações. Tudo aconteceu de forma tão intensa, que não vi o tempo passando, mas pude perceber que me peguei diversas vezes mencionado meu avô, citando histórias com ele, etc. A experiência foi dedicada ao mestre que me conduziu até ali, então foi natural trazer a memória dele em vários momentos.

Depois dos dias de trabalho, tínhamos algumas horas e aproveitei para ir ao World Trade Center no primeiro dia. Vi o entardecer lá de cima e a vista da cidade foi ainda mais encantadora. Quando anoiteceu e as luzes se acenderam, eu entendi o porquê de as pessoas falarem tanto a respeito disso. É um espetáculo, e se eu fosse puxar outro clichê aqui, poderia facilmente chamar Nova Iorque de Cidade Luz também. Nada contra Paris. Inclusive, amo.

No último dia de conferência, fizemos uma apresentação para a liderança global. Apesar do nervosismo e do suor intenso, foi um sucesso. Provocamos as reações e ações que pretendíamos. Em meio a conversas com a CEO, vice-presidentes e diretores do mundo todo, recebemos elogios, abraços e fomos parabenizados pelo trabalho feito. Parecia tudo um sonho. Quatro dias de muito trabalho, falando e ouvindo perspectivas diferentes, produzindo relatórios e no final, tudo deu muito certo. Eu, particularmente, consegui passar por esses dias de trabalho falando inglês, entendendo tudo. Ufa! Foi uma realização pessoal e profissional. E em todos aqueles abraços e sorrisos, pude sentir a presença do meu avô. Não no sentido místico, espiritual ou religioso. Ele estava presente no que eu tinha alcançado, e somente lá eu percebi que não precisava ligação de telefone ou mensagem, porque já estava comigo; na minha história, DNA, na trajetória até lá. E era isso que ele queria que acontecesse: minha independência, meus próprios voos. Nossas aulas em casa, e tudo mais que ele me proporcionou, passaram na minha cabeça como um filme enquanto andei por Nova Iorque nesse último dia. No passeio de barco, no Rockefeller Center, e finalmente nos degraus da Biblioteca Nacional. Como comecei dizendo, pensar nisso me fez chorar. E eu chorei muito. Mas juro: eu não sou chorão.